Opinião

No debate eleitoral, sintomas da democracia

Por Maria Sandra Gonçalves*

Como em 1º de outubro, acompanhei no dia 14, quarta-feira, o debate promovido pela TV Bandeirantes entre candidatos que concorrem à prefeitura de Curitiba nas eleições deste ano, marcadas para 15 e 29 de novembro. Considero o debate uma das melhores ferramentas para que o eleitor conheça melhor os postulantes a um cargo do Executivo. Livre da roupagem de marketing típica do horário eleitoral, o discurso revela mais sobre as propostas e visões de cada um. A Band, portanto, merece aplausos pelo empenho em manter a tradição do debate mesmo diante das adversidades deste 2020.

O embate inaugural ocorreu em duas datas porque, para dar espaço aos 16 candidatos, a emissora optou por dividi-los em dois grupos. No dia 1º participaram Camila Lanes, Fernando Francischini, João Arruda, João Guilherme, Marisa Lobo, Paulo Opuszka e Renato Mocelin. Pelo sorteio, Rafael Greca, candidato à reeleição, também estaria no grupo, mas recém-liberado após ser internado com Covid-19, ele optou por não participar. O grupo do dia 14 reuniu Caroline Arns, Christiane Yared, Diogo Furtado, Eloy Casagrande, Goura Nataraj, Letícia Lanz, Samara Garratini e Zé Boni. Encerrada a rodada, é possível fazer algumas reflexões sobre os desafios do sistema político e da imprensa.

Profusão

O debate, como se poderia imaginar, perdeu riqueza com a divisão dos candidatos a um mesmo cargo em dois grupos. A separação foi o caminho escolhido em função da pandemia. Mas retiremos esse elemento de cena para imaginar um único debate com 16 candidatos: é claro que faltaria tempo adequado para a apresentação de cada um.

A Band decidiu dar espaço a todos os concorrentes. Mas a situação não seria muito diferente se a opção fosse por seguir estritamente a norma estabelecida pela Justiça Eleitoral, segundo a qual o partido deve ter representação mínima de cinco deputados federais no Congresso Nacional para garantir presença automática em debates. Em Curitiba, este ano, tal critério resulta para as emissoras – por serem concessão pública — na obrigatoriedade de convidar 11 dos 16 concorrentes. Considerando os intervalos, um debate com 11 candidatos em que cada um tivesse o exíguo espaço de dez minutos para falar já ultrapassaria duas horas.

Em suma, não há modelo que suporte uma profusão tão grande de concorrentes. Diante dessa realidade, há quem sustente que o debate deva envolver somente entre os candidatos com chances reais. O próprio critério da Justiça Eleitoral serve, em tese, para esse filtro. As democracias mais consolidadas do mundo adotam cláusulas de barreira. Contudo, a questão no Brasil vai além desse ponto e tem origem na profusão de partidos existentes. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral há 33 deles com registro válido atualmente. Haverá, de fato, 33 diferentes linhas programáticas para a gestão do país? Por que se assemelham tanto os programas dos partidos? Pior: por que em muitos partidos as propostas e a visão filosófica da política parecem pouco importar? Pergunto e já me respondo: “É o fundo partidário, estúpida!”.

Uma reforma política de fato – e não os remendos que temos visto na última década – precisa enfrentar a questão do número de siglas. E, por óbvio, não pode ser considerada completa se não envolver também mecanismos que mitiguem um indesejável efeito da cláusula de barreira: a não renovação dos quadros. É um desafio e tanto para os legisladores. E a história prova que nem todos se interessam por enfrentá-lo.

Formato

Para a imprensa também há questões que exigem reflexão. Além da já citada preocupação com o número de debatedores, elenco mais dois pontos que considero importantes: a escolha do horário e a fórmula dos debates. Sobre esta, creio que o eleitor sai ganhando quando o modelo envolve perguntas formuladas por jornalistas ou demais representantes da sociedade. As perguntas entre candidatos desembocam — quase invariavelmente — em dois extremos: ataques generalizados ou questionamentos que em vez de confrontar ideias abrem espaço para a mera propaganda. É a chamada “bola levantada”. Aqui, uma vez mais, importa lembrar que a lógica do fundo partidário explica o fato de termos partidos mais numerosos do que as correntes ideológicas existentes.

Quanto ao horário, não ignoro que as emissoras enfrentam um dilema. Debates, infelizmente, não atraem um grande número de telespectadores. Assim, ficam relegados a horários em que poucos podem acompanhá-los. Por outro lado, o debate é uma das ferramentas eficazes para tirar o eleitor da alienação. Seria muito bom que pudéssemos tê-los no chamado horário nobre da TV, por volta das 20h. Não custa sonhar com mecanismos mais adequados e com o amadurecimento democrático que anda nos fazendo tanta falta.

*Maria Sandra Gonçalves é jornalista com pós-graduação em Ciência Política.

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